Admirável Mundo do Conhecimento

Há 38 anos, no seu livro The Landmarks of Tomorrow, o Sr. Previu a “Era do Conhecimento”. Agora que ela se tornou realidade, quais são seus principais desafios?
Há duas áreas principais nas quais precisaremos trabalhar muito para poder colher os benefícios do conhecimento. Estaremos muito ocupados nos próximos 50 anos ou mais, antes de podermos até mesmo colocar as perguntas certas. Há questões da produtividade do conhecimento e do trabalhador do conhecimento. Depois, há implicações no que diz respeito à própria natureza da empresa. Finalmente, existem enormes implicações no tocante à educação e à sociedade.
Quais são as principais implicações quanto ao gerencianento de pessoas e à administração de uma empresa?
Em primeiro lugar, precisaremos aprender como tornar produtivo o operário do conhecimento. Já se passaram bem mais de cem anos desde que começamos a trabalhar para tornar produtivo o trabalhador manual. E, sobre o aumento da produtividade do operário manual que está em torno de 3% ao ano -, repousa toda a capacidade de crescimento da produção de riqueza no mundo em que vivemos. Nós ainda nem começamos a trabalhar com a produtividade do operário do conhecimento. Mas já sabemos que ela é muito diferente da produtividade do operário manual. No caso do trabalhador manual, julgávamos conhecer a tarefa, e fizemos a pergunta: “Como o trabalho deveria ser feito?’ No caso do trabalho do conhecimento, a pergunta deverá ser: “Qual é a tarefa?”; o como virá muito depois. Hoje, o grande desperdício no trabalho do conhecimento, em quase todas as organizações, é que os operários do conhecimento têm muito pouco tempo para aplicá-lo. A maior parte do seu tempo é empregada em coisas que não acrescentam nada à sua produtividade, à sua contribuição.
O Sr. vem falando sobre a necessidade de mudar para a “organização baseada em responsabilidade”. Isso também faz parte da “Era do Conhecimento”?
Sim. Trata-se de uma conseqüência direta do fato de que o conhecimento está se transformando no recurso-chave. Não existe nada que se possa caracterizar como conhecimento superior ou inferior. Mas o conhecimento efetivamente generalizado também não existe. Para ser efetivo, o conhecimento tem de ser especializado. Isso quer dizer que o “chefe” já não poderá saber o que seu subordinado está ou deveria estar fazendo. Isso enfatiza a figura do operário do conhecimento. Então, a única maneira de fazer a organização funcionar será exigir de todos os membros, do chão da fábrica ao mais alto executivo, que cada um assuma a responsabilidade por sua contribuição, mas também assuma a responsabilidade de ser compreendido.
O que isso significa para a estrutura e a organização?
A primeira implicação é que cada vez mais precisaremos trabalhar em equipes. Falamos muito, atualmente, sobre “trabalho em equipe”. Mas até agora não há muita realidade envolvida nessa discussão. Uma das razões é que os executivos ainda acreditam que são os “chefes”. A maioria dos executivos ainda acredita o mesmo que se acreditava no século XIX, ou seja, que o empregado precisa do empregador mais do que o empregador precisa do empregado – o axioma básico subjacente a toda a teoria marxista. Pessoas da área do conhecimento precisam efetivamente do acesso a uma organização para serem eficazes. Os estudiosos precisam da universidade. Mesmo o maior historiador contribui apenas com uma pequeníssima parcela de conhecimento e educação. O mais capaz dos metalúrgicos precisa ter acesso a uma organização. Individualmente, cada um contribui apenas com fragmentos. O vendedor mais capaz precisa das tecnologias de marketing para prever ou determinar preços, ou a embalagem, ou a distribuição física, e assim por diante. O maior neurocirurgião do mundo será um ignorante se o problema do paciente for uma luxação do tornozelo. Isto posto, cada vez mais trabalharemos em equipes, mas ainda assim saberemos muito pouco sobre a maneira de formá-las, de torná-las eficientes, sobre o tipo de equipe exigido por determinada tarefa etc. Esta é uma das nossas grandes áreas de aprendizado no momento – desconfio que se passarão pelo menos uns vinte anos até que possamos saber quais as perguntas certas a fazer a respeito do trabalho em equipe numa organização. Entretanto, uma coisa está clara. Todos os trabalhadores de uma equipe terão duas responsabilidades. A primeira será direcionar sua contribuição para os resultados a serem alcançados pela equipe. A outra será fazer com que os demais membros do time compreendam que cada indivíduo pode e deve contribuir.
O que tudo isso significa para uma organização? Quantos níveis hierárquicos serão necessários no futuro?
Sempre que reestruturamos uma organização em torno da informação, descobrimos quase imediatamente que a maior parte dos níveis de gerência é redundante. Observamos que a maioria dos níveis tradicionais de gerência não gerencia nada, nem ninguém. Eles funcionam como relés para os sinais fracos que vêm do topo, bem como para os sinais igualmente fracos que partem da base da organização. Uma organização baseada na informação é plana. Quando procuramos executivos de alto nível, buscamos pessoas com menos de 50 anos de idade. A fim de estar preparada e poder ser testada, uma pessoa precisa ocupar um cargo no mesmo nível por cerca de cinco anos, se se tratar de um verdadeiro cargo, isto é, exigente em termos de desempenho. Cinco anos é tempo suficiente para aprender e testar a pessoa na função. Pouquíssimas pessoas obtêm seu primeiro cargo de gerente com menos de 25 anos – geralmente isso acontece perto dos 30. Isso quer dizer que é preciso ter pessoas sendo preparadas para assumir cargos na alta administração com pelo menos 20 anos de antecedência, o que implica a ocupação de no máximo quatro cargos. Isso nos dá um total de três níveis abaixo da alta administração. Se houver mais níveis, as pessoas não estarão sendo suficientemente preparadas, ou os critérios de promoção estarão baseados em favorecimentos. Precisaremos igualmente desenvolver diversas escadas paralelas para promover e recompensar profissionais individualmente, quando estes não puderem se tornar executivos ou gerentes. Caso contrário, nossos funcionários mais capacitados nos abandonarão. De maneira geral, as pessoas mais capazes em termos de conhecimento não querem ser executivas. Elas preferem exercer seu próprio conhecimento, isto é, ser um cirurgião de primeira linha, um engenheiro de alta qualidade, ou um especialista em marketing excepcional. No entanto, essas pessoas esperam com razão obter recompensas e reconhecimento compatíveis com sua contribuição. A última e mais crucial implicação é que precisaremos pensar na tarefa das pessoas que estão no topo da pirâmide. A maioria dos executivos que conheço divide suas atividades e gasta pouco tempo nas verdadeiras tarefas de um presidente de empresa. Portanto, poderemos esperar assistir, nos próximos 25 anos, ao desenvolvimento de estruturas organizacionais muito diferentes.
Em que áreas o Sr. acredita que ocorrerão as maiores mudanças na estrutura econômica?
Assistiremos, certamente, a mudanças muito grandes de tecnologia. As mais importantes talvez nem aconteçam na área da informação, mas nos campos da biologia, da medicina, da genética e assim por diante. A tecnologia da informação por certo continuará mudando pelo menos nos próximos vinte anos, eu diria, e num ritmo bastante acelerado. Entretanto, a meu ver, outras mudanças provavelmente terão maiores significado e impacto.
Mencione uma delas.
O que primeiro me vem à mente são as mudanças do centro de gravidade da economia. Durante quase 200 anos, o centro de gravidade foi a produção de coisas, principalmente pelo setor manufatureiro. Nas economias desenvolvidas, como Estados Unidos, Alemanha ou Japão, o centro de gravidade está mudando muito rapidamente para o varejo. As novas cadeias varejistas se autofinanciam em condições muito melhores do que as que poderiam ser oferecidas pelo setor manufatureiro. Esta pode ter sido a mudança mais importante da estrutura econômica nos últimos 30 anos. Em toda parte, o centro de gravidade do mercado está se deslocando do produtor para o distribuidor. Este é um fato que poucos fabricantes compreendem, ou com o qual conseguem conviver. Assistiremos a mudanças semelhantes no varejo da distribuição do conhecimento. Esta é a maneira de um economista referir-se à educação. Já existem universidades nos Estados Unidos que ensinam um número maior de pessoas via satélite e telecast, fora da universidade e distantes dela, do que as que freqüentam suas aulas.
Vamos mudar um pouco de assunto. Como o Sr. compara as economias do Brasil e da Argentina, e as posições ocupadas por esses dois países no mercado mundial?
O Sr. está tentando comparar entidades bastante incomparáveis. O fato de esses dois países terem fronteira comum não significa que sejam comparáveis – seria o mesmo que contrapor Itália e Alemanha, apesar de ambos os países serem vizinhos. Se eu quisesse comparar a economia argentina e determinar seu potencial de crescimento, faria a comparação com o Norte da Itália, região de onde vieram muitos dos ancestrais dos atuais portenhos. E, no que diz respeito ao Brasil, não creio que haja nada no mundo que se possa comparar ao Brasil. A maior fraqueza da Argentina em todo este século tem sido sua crença no fato de que suas imensas vantagens como produtora de alimentos fortalecem sua economia. Na realidade, hoje essa é uma de suas fraquezas. O resultado é que os argentinos não utilizaram adequadamente seu magnífico sistema educacional – poucas universidades no mundo podem ser comparadas à Universidade de Buenos Aires, hoje com 175 anos. De outro lado, a Argentina ainda não capitalizou o fato de que vem operando na economia global há pelo menos 150 anos, desde que se tornou possível embarcar trigo e carne em grandes quantidades. Quanto ao Brasil, esse país ainda não tirou partido da imensa vantagem representada por seu enorme mercado doméstico. Se quiséssemos calcular o potencial futuro da Argentina, eu diria que ele está na emergência de um número muito grande de pequenas e médias empresas altamente especializadas. Já no Brasil, vejo em primeiro lugar a necessidade da emergência de uma infra-estrutura eficiente e depois o desenvolvimento de uma economia de serviços eficaz, para que o mercado doméstico possa se transformar no motor do desenvolvimento econômico brasileiro.

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